top of page
Design sem nome.png
51 Ginásio Vocacional-Uma escola prazerosa.PNG

Ginásio vocacional

Era uma escola “risonha e franca”: séria e eficiente.

Novas ideias educacionais, novas propostas, novas práticas. Tudo isso ensejava um novo ambiente de trabalho e de estudo.

Todos: alunos, professores, funcionários, pais de alunos, assumiam o desafio que a nova experiência pedagógica propunha.

Os inúmeros problemas que surgiam no cotidiano da escola eram encaminhados para a reflexão da equipe e resolvidos.

Não esquecer que toda a equipe, embora preparada e compromissada com a nova proposta, foi, toda ela, educada no chamado “ensino tradicional”. Era, portanto, necessário algum tempo para elaborar, desenvolver e adaptar-se às novas práticas. A começar com o relacionamento humano e profissional da equipe. A equipe precisava ser equipe e aprender a trabalhar em equipe.

Aqui, em Rio Claro, ela iniciou-se pequena; poucos alunos e professores e três classes acolhidas no Grupo Escolar Monsenhor Martins.

Eram alunos alegres, falantes, “barulhentos”.

O trabalho em equipe, “mola do pensamento reflexivo”, possibilitava amplos debates e estimulava a curiosidade e a participação. Bem orientado, facilitava a análise e o conhecimento dos fatos e situações através do diálogo, e dificultava a acomodação.

A integração das áreas de Cultura Geral, Iniciação Técnica e de Práticas Educativas possibilitava a análise, interpretação e encaminhamento de propostas de solução para os problemas levantados pelos conteúdos e pelas técnicas de trabalho, como também os de relacionamento surgidos no dia a dia.

O Projeto Pedagógico do GV provocava situações que permitiam exercitar experiências de aprendizagens relacionadas aos conceitos e informações existentes na estrutura de conhecimento do aluno. Era uma aprendizagem ativa, diversa da aprendizagem mecânica, geralmente utilizada nas escolas tradicionais.

Mas, aos poucos, a escola foi crescendo com a chegada de novos alunos. Era preciso mudar para um prédio maior, e ela foi se instalar no velho casarão na entrada do Horto Florestal.

Para chegar lá “amassamos muito barro”, “comemos” muita poeira, mas... Valia a pena!

Quanta vida, quanta alegria, quanta vontade de superar os obstáculos, os desafios.

Quanto compromisso de professores e alunos!

Aula de Matemática e Francês no antigo vagão da Companhia Paulista de Estrada de Ferro. Educação Doméstica na casinha ao lado. Educação Musical no sótão...Na salinha de cima (na subida, meninos na frente). Artes Industriais no barracão. Educação Física no galpão ou nas trilhas do Horto.

A hora do almoço, preparado pelas cozinheiras e equipe de alunos, era uma alegria. Às vezes aparecia um morcego para agitar o ambiente.

Era preciso não conversar ao passar ao lado da meia parede da sala de Estudos Sociais. Psiuuuuu! Olha o Prof. Cardoso!

Nós, professores do G.V., não éramos melhores ou piores que os demais, éramos diferentes. Tínhamos um bom projeto pedagógico, boa e constante orientação e acompanhamento. Muitas vezes, não nos entendíamos, mas estávamos procurando o melhor para os alunos.

Todo procedimento educacional ou pedagógico precisava ser fundamentado.

-“Fundamente quais os motivos que o levaram a deixar os alunos lutarem no recreio. Não dava para resolver a questão conversando?”, perguntava a professora Nobuko, Orientadora Educacional. E agora? Tínhamos que refletir para encaminhar a melhor solução.

Para nós, era uma surpresa quando os alunos lamentavam a chegada das férias escolares, indagando; o que vamos fazer, agora?

Hoje, é surpreendente constatar que elevado número de estudantes não gosta da escola. O que estará ocorrendo?

Há pouco tempo, para melhorar a escola, dizem, procedeu-se ao que se chamou “Reorganização da Rede Escolar”.

Verificamos que, com essa reorganização, as escolas perderam o caráter comunitário que tradicionalmente tinham. Alunos de bairros distantes são transportados para escolas longe de suas residências. Dizem, também, que a municipalização do Ensino Fundamental barateou e melhorou o ensino. Mas não resta dúvida de que dificultou o relacionamento escola-família, tão necessário para que a educação atinja seu objetivo de socializar, de interagir com a comunidade e alavancar avanços significativos.

Mas o Vocacional cresceu um pouco mais e precisou mudar para outro prédio.

Prédio novo, vida nova. Era um prédio diferenciado, diferente de tudo que até então tínhamos vivenciado. Planejado para que as práticas pedagógicas pudessem ser realizadas em melhores condições de trabalho, beneficiando o ensino e a aprendizagem.

Mas, muitos alunos tinham saudade do prédio antigo do Horto.“Lá era mais gostoso!”, costumavam dizer.

A equipe de professores e orientadores estava melhor preparada e amadurecera, tornando-se mais eficiente.

Infelizmente, não tardaram as preocupações.

Tempo de revolução. Ou ditadura?

Um belo dia (belo?) militares do G-Can (Grupo de Canhões) de Campinas apareceram na escola e confinaram os professores. Ninguém entra, ninguém sai! Examinaram toda a escola, todos os cantos em busca de material que consideravam subversivo.

E nada encontraram. O mais subversivo da nossa escola era ensinar o aluno a pensar.

Mas, era o começo do fim.

E, assim, acabaram com a escola prazerosa que ensinava o aluno a pensar.

Equipe de professores desfeita e espalhada por outras cidades, por outras escolas...

No meio educacional mais amplo, muitos também comentavam:

–Para que uma escola diferente? É preciso acabar com os privilégios de professores e de alunos. Tempo integral, para quê? Dedicação exclusiva de professores é luxo! É escola muito cara!

Na época, inúmeros professores e dirigentes do Serviço de Ensino Vocacional tinham a clareza de que era preciso divulgar a experiência para o conhecimento da comunidade educacional e da sociedade em geral. Daria mais visibilidade e segurança ao projeto.

Era um tempo oportuno para oferecer cursos, palestras, textos, enfim, todo tipo de trabalho que pudesse sensibilizar os educadores interessados. “Os homens passam e as ideias ficam”.

Infelizmente, contrariando a opinião de elevado número de educadores, a experiência pedagógica e administrativa dos Ginásios Vocacionais permaneceu fechada.

Provavelmente, muitos conhecimentos, estratégias de ação e procedimentos poderiam ser preservados para frutificar no tempo propício. Preservar, o quanto desse, as equipes de educadores compromissados com a experiência educacional era uma demonstração de sabedoria e prudência.

Onde errou a Coordenadoria do Ensino Vocavional?

Onde erramos?

Em Rio Claro, afora os alunos que passaram pelo nosso Ginásio Vocacional, escola séria e eficiente, da escola propriamente, restou apenas o prédio. Mas o prédio, ora o prédio. Prédio novo,“vida nova”. O prédio continua.

E o prédio continuou acolhendo professores e alunos da chamada “escola tradicional”. Colégio Técnico, Colégio de Aplicação, também em fase de desconstrução e Ginásio Chanceler Raul Fernandes.

Muito embora de forma diferente, se fazia educação naquele prédio. A escola ainda tinha vida.

Mas, assim como o governo da ditadura conseguiu acabar com o Vocacional, acredita-se que outros governantes e desafetos acomodaram-se e possibilitaram a instalação de um eficiente processo degradação do prédio.

“E não ficará pedra sobre pedra”.

Hoje, o prédio cuja construção pudemos acompanhar de perto, e onde exercitamos uma docência eficiente e compromissada, encontra-se em ruínas. Dia desses, passávamos em frente àquela escola querida. Curioso e saudoso, fui chegando, chegando.

O portão estava aberto.

–Moço! O senhor deseja alguma coisa, perguntou um rapaz, logo vamos fechar o portão!

-Posso dar uma olhadinha? É rápido! O prédio está bem abandonado, destruído não? Paredes quebradas, esburacadas, portas arrebentadas; mato, goteiras...!

-Pois é moço dizem que vão reformar. Vai ficar uma nota!

Mas fui entrando, meio ressabiado, caminhando...

Ao longe, avistei o antigo prédio de Cultura Geral, ainda preservado e separado por um alambrado, onde funciona uma escola de Ensino Médio.

Do lado de cá, tudo destruído.

Viajei no tempo...

Encontrei um grupo de alunos adolescentes, falantes, risonhos, parecia um bando de maritacas.

Fui entrando.

Lembrei-me da meninada trabalhando em equipe. Lendo textos e discutindo os resultados, orientados por um professor. Em outra sala, jornais, mapas e um aluno explicando os resultados do Estudo do Meio que haviam feito em São Paulo.

Ouço vozes. Estão cantando.Acho que é em uma das salas de Educação Musical. Dona Ermilina, ah! Dona Ermilina. Aula de integração: Educação Física com Educação Musical. Apuro os ouvidos: ”À direita dois. À esquerda dois. Quatro para frente, devagar com nosso par...”

Parece que estão dançando.

Vou dar uma espiada e encontro descontração, ritmo, integração, movimentos, alegria.

No prédio da frente, vejo painéis com gravuras, pinturas expostas em cavaletes. A sala parece um ateliê. Material para todo lado. Tintas, cavaletes, quadros, argila, pincel, gravuras, textos. Parece que está uma desordem; mas um aluno afirma que é uma desordem organizada, uma ordem que convêm.

Uma equipe de alunos me recebe e explica toda aquela confusão, ou produção:

-Estamos estudando Portinari e as suas obras. Ele foi um inovador, um grande artista.

Sinto um cheiro agradável de comida. Vem da cozinha.

A refeição da primeira turma está sendo servida no refeitório. Uma equipe de alunos da sexta série ajuda a servir.

Arroz, feijão, bife, salada de tomate e alface. De sobremesa, banana.

Havia uma turminha esperando para se servir outra vez. Era a turma da repetição. Nessa idade eles comem muito bem, não há o que chegue, dizia a Dona Tereza.

Na cozinha, uma equipe se revezava lavando pratos e talheres, outra lavava tomate e alface.

Numa sala ao lado, toda envidraçada, professores conversavam animadamente.

Ao lado, em outra sala, alunos jogavam tênis de mesa e damas. Era hora de lazer, pois ninguém é de ferro!

Ouço um martelar insistente que vem de uma grande sala.

Ando um pouco mais e encontro duas verdadeiras oficinas – mecânica e de marcenaria.

Um aluno vai buscar a cola que fervia no fogareiro, para colar as tábuas da estante. Cuidado!

O Prof. Milton explica, “nos mínimos detalhes”, como acertar o ângulo e cortar a tábua:– Não vá errar ou a estante ficará torta!

Um aluno lembra os colegas:

–Tá na hora de abrir a cantina e o banco em Práticas Comerciais. Seu Genari deve estar esperando. Qual é a equipe responsável?

– Hoje não abre; é dia de “balanço” com Seu Gregato!

– Qual conceito sua equipe conseguiu no bimestre passado, pergunta José?

E o papo continua ...!

Sinto um cheiro forte vindo do prédio ao lado. E logo descubro que é Dona Rute com suas experiências em ciências.

Ouço barulho de bola. Caminho um pouco mais e vejo, na quadra, uma turma jogando basquetebol. O jogo não está muito bom. Tem aluno que não sabe jogar direito. Parece-me ouvir o professor explicando que é importante participar, que o objetivo daquela aula é valorizar a “cooperação”, conceito trabalhado naquele bimestre, principalmente nas áreas de Educação Física, Ed. Artística, Práticas Comerciais, Artes Industriais e Matemática. As habilidades relacionadas com o jogo serão adquiridas aos poucos, dependendo de cada um. Não adianta apressar o rio. Tudo tem seu tempo.

Continuo viajando no tempo. Lembro-me de muitas discussões...

No G.V. nós acreditávamos que não seria muito difícil iniciarmos um processo de mudança na escola. Sempre entendemos que os educadores sabem aquilo que está errado ou que não funciona no ambiente escolar. Mas é preciso que tenham um bom Projeto de Administração Escolar, constante orientação e apoio para realizarem as mudanças curriculares necessárias.

Não basta oferecer aos alunos escola de tempo integral. O aluno pode continuar não gostando dela, sentindo-se confinado, só que agora por mais tempo.

É necessário um novo Projeto Pedagógico que integre todas as “disciplinas”, todos os professores e educadores. É necessária uma nova visão de homem e mundo.

Esperamos que, um dia, educadores possam se reunir e se unir e serem ouvidos.

E que cooperem para a construção de uma proposta educacional consistente, que dê novo rumo à Educação em nosso Estado.

Alguém me chama!

– Moço! Moço! Nós vamos fechar o portão, é preciso sair. O senhor está bem?

– Estou bem. É que eu estava longe, sonhando...Mas isso passa!

– Passou...!

CONTE SUA ESTÓRIA

bottom of page